O artigo a seguir está publicado no livro Mulheres que fazem acontecer no Sistema Penitencário da Paraíba obra lançada em 2024. A coletânea reúne textos de 35 mulheres com atuação na Seap-PB, além de uma juíza convidada. O livro tem concepçao e projeto editorial assinados pelo jornalista, escritor e policial penal Josélio Carneiro. Todos os artigos do livro serão postados aqui no blog.
Leilane Soares de Lima
Advogada Criminalista, Assessora Técnica na Gerência Executiva de Ressocialização da SEAP/PB
“Por vezes sentimos que aquilo que fazemos não é senão uma gota de água no mar. Mas o mar seria menor se lhe faltasse uma gota.” Madre Teresa de Calcutá O ano era 2012 e uma jovem advogada atravessava o portão da Penitenciária de Reeducação Feminina Maria Júlia Maranhão com muito conhecimento técnico, buscando utilizálo para ajudar quem necessitava de atendimento jurídico e, sobretudo, de palavras de incentivo para transformação de vida.
Sempre defendi que a reinserção social também é obrigação da sociedade, uma vez que contribui para a diminuição da reincidência criminal, colaborando com o melhoramento dos índices de segurança pública, cumprindo o que dispõe nossa Carta Magna ao afirmar que a Segurança Pública é um direito e responsabilidade de todos.
Acreditando nos meus princípios, iniciei contribuindo com projetos que trouxessem reflexão para a sociedade sobre a natureza não perpétua da pena e o seu caráter social, bem como oportunizasse a reeducandas e reeducandos atividade laboral e capacitação técnica, proporcionando possibilidade de mudança de realidade social aos participantes.
Paralelo ao trabalho voluntário nas unidades prisionais da grande João Pessoa, participei do trabalho de curso de extensão da Universidade Federal da Paraíba que dialogava com familiares de reeducandas e reeducandos em dias de visita aos seus parentes nas unidades prisionais. A partir deste momento a prática foi me mostrando que a teoria tinha um peso bem menor do que eu imaginava e que os estudos não deveriam ser sobre leis ou jurisprudências, mas sim sobre gente, sobre tratamento humanizado e cumprimento de pena com dignidade.
No decorrer dos anos, várias ações de reinserção foram criadas e tive a satisfação de contribuir voluntariamente com cada uma delas. Importante destacar a implementação do projeto Castelo de Bonecas, em parceria com a direção da Penitenciária de Reeducação Feminina Maria Júlia Maranhão, inicialmente com a doação de maquinário e material para a confecção das bonecas e posteriormente com a reforma do espaço onde hoje se desenvolvem as atividades laborais. Sim, naquele lugar tem esforços e suor de pessoas que, assim como eu, acreditam em dias melhores e mudança de vida.
Importante registrar na história da administração penitenciária de nosso estado, iniciativas como a Fábrica de Gesso Esperança Viva e a Fábrica de Vassouras Esperança Viva, que contribuíram para a formação de reeducandos, remição da pena e, assim como as bonecas de pano, chegaram à casa das pessoas, mostrando produtos fruto do trabalho prisional. É uma grande satisfação poder ter empenhado meu trabalho para a implantação destes projetos, em parceria com as direções das unidades prisionais, bem como órgãos da execução penal, a exemplo do Conselho da Comunidade de João Pessoa, do qual tive a alegria de ser membro de 2014 a 2021.
Ao longo dos anos, o sistema prisional paraibano tem buscado redefinir seu papel na sociedade, movendo-se de uma abordagem puramente punitiva para uma mais abrangente e transformadora. A trajetória dos projetos de reinserção social reflete a busca incessante por soluções que transcendam as paredes das prisões, visando não apenas a punição, mas a ressocialização de apenados e apenadas que aqui cumprem suas penas.
A minha contribuição laboral com o sistema prisional foi institucionalizada em 2020, momento em que passei a compor a equipe da Gerência Executiva de Ressocialização e passei a acompanhar o desenvolvimento de vários projetos, criados com o fomento da abordagem acerca do caráter ressocializador da pena. Nesta corrente, diretores e diretoras de unidades prisionais ao longo da Paraíba promoveram projetos em seus locais de gestão, elevando a Secretaria de Administração Penitenciária de nosso estado a outro patamar, voltado para práticas de ressocialização, tanto através do trabalho, quanto da educação.
É de suma importância mencionar as experiências vividas no sistema prisional paraibano durante a pandemia, que trouxe desafios inéditos para todas as esferas da sociedade, não ficando imune o sistema prisional. Neste período, pude acompanhar as ações tanto como Secretaria de Estado da Administração Penitenciária no combate à Covid-19, quanto como terceiro setor, observando que as ações realizadas, deixando a Paraíba como um dos estados com menores índices de contaminação e mortalidade pelo vírus.
Com o trabalho institucionalizado, agora enquanto servidora da SEAP/PB, coordenadora do Eixo Trabalho, na Gerência Executiva de Ressocialização, pude trazer reflexão sobre o que a literatura temática trazia sobre o trabalho prisional e a prática, trabalhando em coletivo para desenvolvermos projetos que ampliassem as vagas de trabalho, tanto interno quanto externo, aumentando as referidas vagas em quase 100% (cem por cento).
Ao decorrer do tempo, foi possível verificar que, na contramão do já conhecido sobre o sistema prisional brasileiro como uma estrutura precária e com oferta de condições de reinserção social que ainda não estão a contento, há uma tendência à modificação nessa postura, com projetos sendo desenvolvidos pelo poder público e entidades parceiras, além da conscientização da comunidade, no intuito de proporcionar aos reeducandos e egressos uma chance de recomeço, através das condições de ressocialização disposta por nosso ordenamento legal. E nesta trajetória, do trabalho voluntário, através do terceiro setor, ao trabalho institucionalizado, como técnica da SEAP/PB, uma nova missão, coordenar o núcleo de Política de Atenção às Mulheres Privadas de Liberdade na Gerência Executiva de Ressocialização e ser o ponto focal da SEAP/PB junto à Secretaria Nacional de Políticas Penais - SENAPPEN, no tocante a esta temática.
A situação das mulheres privadas de liberdade merece uma abordagem sensível e específica, reconhecendo as particularidades que permeiam sua trajetória. Na Paraíba, a política de atenção a essas mulheres revela um compromisso com a dignidade, respeito aos direitos humanos e promoção de oportunidades de reinserção. Priorizando a dignidade, a educação, a saúde integral e o apoio psicossocial, o estado não apenas cumpre com suas responsabilidades legais, mas também sinaliza um compromisso genuíno com a reabilitação e reinserção das mulheres na sociedade.
Ao analisar uma trajetória que se constrói há 12 anos, posso concluir que a reinserção social de apenados é um desafio complexo que demanda esforços conjuntos de diversos setores da sociedade. Nesse contexto, o terceiro setor, composto por organizações não governamentais e iniciativas filantrópicas, emerge como um agente transformador fundamental. Sua atuação vai além das barreiras das prisões, desempenhando um papel crucial na construção de pontes para a reintegração e na promoção de uma sociedade mais inclusiva.
Ainda observando sobre a participação do terceiro setor, é importante analisar as iniciativas absorvidas pelo Estado, no sentido de institucionalizar boas práticas trazidas para o sistema prisional a parceria Estado x Terceiro Setor sempre gerará boas práticas, quando firmadas através do diálogo e objetivo comum que é transformar vidas, trabalhando para a capacitação de reeducandos e reeducandas e a diminuição da reincidência criminal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALBERGARIA, J. Das Penas e da Execução penal. Belo
Horizonte: Del Rey, 1995.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier,
2004.
BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei
de Execução Penal. Presidência da República, Brasília, DF.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/
L7210.htm. Acesso em 30 de maio.2020
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva. 2005.
FOUCAULT, M. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Petrópolis (RJ): Vozes, 2014.
CURRICULO RESUMIDO DA AUTORA
Advogada Criminalista, Assessora Técnica na Gerência Executiva de Ressocialização da SEAP/PB; Tesoureira da OAB Paraíba; Pós Graduada em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Superior da Advocacia; Pós graduada em Ciências Criminais, Perícia e Segurança Pública pelo UNIESP; Membro Consultora da Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil; Presidente da ABRACRIM Mulher da ABRACRIM/PB; Coordenadora do Comitê Estadual para a Prevenção e Combate à Tortura na Paraíba (2019-2020); Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/PB (2019-2021)
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