quinta-feira, 3 de abril de 2025

O MODELO ATUAL DE PRISÕES: por que o utilizamos e como chegamos até aqui

 



 
 

Por: *Roberto Daniel de Figueirêdo, professor e instrutor na área de Segurança Pública

 

O sistema prisional como o conhecemos hoje é uma construção histórica que reflete tanto a evolução das ideias sobre justiça e punição quanto as demandas sociais e políticas de cada época. Esse processo se deu conforme o contexto histórico, social, filosófico e econômico ao longo dos séculos.

 

Em pleno ano de 2025, as prisões continuam sendo a principal resposta das “sociedades modernas” ao crime, mas sua forma e propósito passaram por transformações significativas ao longo dos séculos:

 

Roma e Grécia, na antiguidade e idade média (3.500 a.C. até a segunda metade do século XV), usavam as prisões como principal instrumento de proteção. Devedores, acusados aguardando julgamento ou prisioneiros de guerra era a principal “população de encarcerados” e as sentenças comuns eram multa, exílio ou, até mesmo, a morte. As “prisões” eram masmorras. O objetivo principal era a aplicação das penas – a eliminação imediata dos sentenciados;

 

Já a partir do século XVIII, com as ideias iluministas, em especial Cesare Beccaria e o Jeremy Bentham, com suas críticas às punições cruéis e desproporcionais da época, lançaram novas bases sobre o uso das prisões. Eles defendiam que as prisões deveriam ser utilizadas como ferramenta de proteção e, também, de reabilitação.

 

Assim, o conceito de encarceramento como pena é relativamente recente. Até a Idade Média, como dito anteriormente, as punições eram predominantemente corporais – açoitamentos, mutilações ou execuções – ou baseadas em compensações financeiras às vítimas ou mesmo o exílio.

 

Prisões existiam, mas serviam mais como “locais de detenção temporária”, enquanto se aguardava julgamento ou execução, do que como um fim em si mesmas, como tentamos hoje no Brasil.

 

Esses pensadores (Cesare Beccaria e Jeremy Bentham), que começaram a defender a ideia de que a punição deveria ter um propósito reformador, além de apenas retaliatório:

Para Beccaria, as penas deveriam ser prestadas aos crimes e seu objetivo deveria ser a dissuasão e não a vingança, para ele, as prisões eram uma “alternativa mais humana” às punições corporais; e

 

Bentham propunha uma ideia de “reforma moral”. Nesse modelo, os detentos deviam permanecer sob vigilância constante, com foco na disciplina.

 

Pronto, sob nossa ótica, aí estavam lançadas as bases para a ideia de prisão como ferramenta de “proteção e reabilitação”.

 

Esse movimento deu origem ao “modelo penitenciário moderno”, consolidado no século XIX. Vejamos:

·       Ainda no final do século XVIII, com a interrupção de envio de prisioneiros à América – colônia Inglesa até 1776, associada a redução das execuções e deportações/exílios, a Inglaterra passou a enfrentar desafio antes não experimentado – a superpopulação carcerária. Após uma espécie de Comissão Parlamentar de Inquérito, é aprovada Lei Penitenciária de 1779 pelo parlamento Inglês, surge então a “política de prisões estaduais” naquele país – mas nenhuma prisão foi construída. A “solução” só veio surgir em 1786, quando houve a decisão do estabelecimento de uma “colônia penal” na Austrália (Nova Gales do Sul, à época);

 

·       A Europa Continental também desenvolveu seu modelo de “Sistema Penal”. Após a Revolução de 1789, impulsionada pelas ideias iluministas, surge o Código Penal de 1791. Ele adotou a prisão como pena principal para os crimes graves, isso influenciou outros países do “Velho Continente” a seguirem o mesmo caminho. A ideia era que o tempo atrás das grades, aliado à disciplina e à reflexão, pudesse "corrigir" o indivíduo para “reintegrá-lo” à sociedade;

 

·       Nos Estados Unidos da América – EUA, dois sistemas se destacaram no século XIX:

O “Sistema de Auburn”, com a Penitenciária de Auburn, construída em 1816 na cidade de Auburn, Nova York. Esse presídio deu origem ao chamado "Sistema Auburn", que combinava trabalho forçado em grupo durante o dia (em silêncio) com o isolamento em celas individuais à noite, como uma tentativa de reformar os prisioneiros;

O “Sistema da Pensilvânia”, “sistema de confinamento solitário” – assemelhado ao nosso Regime Disciplinar Diferenciado, ou simplesmente RDD. Esse “sistema”, focado na regeneração moral, tinha como ferramenta os conceitos de isolamento e trabalho forçado. Inaugurado em 1829, a Eastern State Penitentiary, modelo bastante influente, à época, era tido como controverso, ele contrastava como o “Sistema de Auburn”.

 

Estão aí os ingredientes de um “sistema” que começou com ideias de um projeto de reforma e, hoje, se transformou em um sistema de contenção.

 

Com o crescimento populacional, a urbanização, a favelização e o aumento da criminalidade no século XX, as prisões passaram a ser usadas em larga escala. Isso contribuiu, provavelmente, para o abandono do ideal de reinserção social em favor da simples segregação.

 

No Brasil, por exemplo, o sistema carcerário reflete essa tendência: superlotação, condições precárias de habitabilidade nos estabelecimentos penais, foco na punição em vez da então “ressocialização” – como se a exclusão social pudesse promover um ser sociável, são marcas de um modelo que herdou influências coloniais e se adaptou às desigualdades sociais do país <https://g1.globo.com/rio-de-janeiro/olimpiadas/rio2016/noticia/2016/07/muro-que-separa-linha-vermelha-de-favela-ganha-paineis-da-olimpiada.html> Acesso em 03 Abr. 2025.

 

Hoje, utilizamos esse modelo por uma combinação de inércia histórica, pragmatismo e demandas políticas. A prisão é vista como uma solução imediata para retirar criminosos das ruas, principalmente para atender à pressão pública por segurança.

 

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), estudos apontam que mais de 11 milhões de pessoas estão encarceradas globalmente. Estima-se que, hoje, aqui no Brasil, a população encarcerada é de, aproximadamente, 850 mil pessoas, com um déficit crescente de vagas. Adendo: A cidade de São Luís, capital do Estado do Maranhão (dados de 2022), tem pouco mais de 1 milhão de habitantes <https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/ma/sao-luis.html> Acesso em 03 Abr. 2025.

 

Isso reflete a dependência desse sistema, apesar de suas falhas evidentes, quais sejam: altas taxas de reincidência, violência interna e custos elevados para os Estados < https://www.metropoles.com/brasil/presos-federais-custam-em-media-15-vezes-mais-que-estaduais-entenda> Acesso em 03 Abr. 2025.

 

Críticas ao modelo atual não faltam! Especialistas argumentam que ele perpetua ciclos de exclusão, especialmente entre populações vulneráveis, e questionam sua eficácia na redução do crime <https://www.migalhas.com.br/depeso/422589/a-necessidade-da-ressocializacao-dos-detentos> Acesso em 03 Abr. 2025.

 

Assim, o modelo de prisões que temos em 2025 é o resultado de séculos de experimentação, adaptação e, em muitos casos, fracasso em alcançar os ideais originais de reabilitação. Ele persiste porque oferece uma resposta visível ao crime, mas sua evolução – ou estagnação – levanta uma questão urgente: até quando continuaremos apostando em um sistema que, para muitos, pune mais do que transforma?

  

*Roberto Daniel de Figueirêdo atua na Segurança Pública, com experiência de 22 anos. É professor e instrutor na área de Segurança Pública, colaborou para elaboração do Plano de Segurança para Unidades de Internação e Execução de Medidas Socioeducativas no Estado da Paraíba, é autor de artigos científicos publicados em revista online e livro de gestão pública, com foco na área de ética e moral e investigação preliminar em corregedoria do sistema prisional. É Bacharel em Arquivologia, Especialista em Gestão da Administração Pública, em Gestão de Sistemas Prisionais e possuí MBA em Gestão Pública.

 

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