Por: *Roberto Daniel de Figueirêdo,
professor e instrutor na área de Segurança Pública
O sistema
prisional como o conhecemos hoje é uma construção histórica que reflete tanto a
evolução das ideias sobre justiça e punição quanto as demandas sociais e
políticas de cada época. Esse processo se deu conforme o contexto histórico,
social, filosófico e econômico ao longo dos séculos.
Em pleno ano
de 2025, as prisões continuam sendo a principal resposta das “sociedades
modernas” ao crime, mas sua forma e propósito passaram por transformações significativas
ao longo dos séculos:
Roma e Grécia, na antiguidade e idade
média (3.500 a.C. até a segunda metade do século XV), usavam as prisões como
principal instrumento de proteção. Devedores, acusados aguardando julgamento ou
prisioneiros de guerra era a principal “população de encarcerados” e as
sentenças comuns eram multa, exílio ou, até mesmo, a morte. As “prisões” eram masmorras.
O objetivo principal era a aplicação das penas – a eliminação imediata dos
sentenciados;
Já a partir do século XVIII, com as
ideias iluministas, em especial Cesare Beccaria e o Jeremy Bentham, com suas
críticas às punições cruéis e desproporcionais da época, lançaram novas bases
sobre o uso das prisões. Eles defendiam que as prisões deveriam ser utilizadas
como ferramenta de proteção e, também, de reabilitação.
Assim, o
conceito de encarceramento como pena é relativamente recente. Até a Idade Média,
como dito anteriormente, as punições eram predominantemente corporais –
açoitamentos, mutilações ou execuções – ou baseadas em compensações financeiras
às vítimas ou mesmo o exílio.
Prisões
existiam, mas serviam mais como “locais de detenção temporária”, enquanto se
aguardava julgamento ou execução, do que como um fim em si mesmas, como
tentamos hoje no Brasil.
Esses pensadores
(Cesare Beccaria e Jeremy Bentham), que começaram a defender a ideia de que a
punição deveria ter um propósito reformador, além de apenas retaliatório:
Para Beccaria, as penas deveriam ser
prestadas aos crimes e seu objetivo deveria ser a dissuasão e não a vingança,
para ele, as prisões eram uma “alternativa mais humana” às punições corporais;
e
Bentham
propunha uma ideia de “reforma moral”. Nesse modelo, os detentos deviam
permanecer sob vigilância constante, com foco na disciplina.
Pronto, sob
nossa ótica, aí estavam lançadas as bases para a ideia de prisão como
ferramenta de “proteção e reabilitação”.
Esse
movimento deu origem ao “modelo penitenciário moderno”, consolidado no século
XIX. Vejamos:
· Ainda no final do século XVIII, com a
interrupção de envio de prisioneiros à América – colônia Inglesa até 1776,
associada a redução das execuções e deportações/exílios, a Inglaterra passou a
enfrentar desafio antes não experimentado – a superpopulação carcerária. Após
uma espécie de Comissão Parlamentar de Inquérito, é aprovada Lei Penitenciária
de 1779 pelo parlamento Inglês, surge então a “política de prisões estaduais”
naquele país – mas nenhuma prisão foi construída. A “solução” só veio surgir em
1786, quando houve a decisão do estabelecimento de uma “colônia penal” na
Austrália (Nova Gales do Sul, à época);
· A Europa Continental também
desenvolveu seu modelo de “Sistema Penal”. Após a Revolução de 1789,
impulsionada pelas ideias iluministas, surge o Código Penal de 1791. Ele adotou
a prisão como pena principal para os crimes graves, isso influenciou outros
países do “Velho Continente” a seguirem o mesmo caminho. A ideia era que o
tempo atrás das grades, aliado à disciplina e à reflexão, pudesse
"corrigir" o indivíduo para “reintegrá-lo” à sociedade;
· Nos Estados Unidos da América – EUA,
dois sistemas se destacaram no século XIX:
O “Sistema de Auburn”, com a Penitenciária
de Auburn, construída em 1816 na cidade de Auburn, Nova York. Esse presídio deu
origem ao chamado "Sistema Auburn", que combinava trabalho forçado em
grupo durante o dia (em silêncio) com o isolamento em celas individuais à
noite, como uma tentativa de reformar os prisioneiros;
O “Sistema da Pensilvânia”, “sistema
de confinamento solitário” – assemelhado ao nosso Regime Disciplinar
Diferenciado, ou simplesmente RDD. Esse “sistema”, focado na
regeneração moral, tinha como ferramenta os conceitos de isolamento e trabalho
forçado. Inaugurado em 1829, a Eastern
State Penitentiary, modelo bastante influente, à época, era tido como
controverso, ele contrastava como o “Sistema de Auburn”.
Estão aí os ingredientes de um “sistema”
que começou com ideias de um projeto de reforma e, hoje, se transformou em um
sistema de contenção.
Com o
crescimento populacional, a urbanização, a favelização e o aumento da
criminalidade no século XX, as prisões passaram a ser usadas em larga escala.
Isso contribuiu, provavelmente, para o abandono do ideal de reinserção social
em favor da simples segregação.
No Brasil,
por exemplo, o sistema carcerário reflete essa tendência: superlotação,
condições precárias de habitabilidade nos estabelecimentos penais, foco na
punição em vez da então “ressocialização” – como se a exclusão social pudesse
promover um ser sociável, são marcas de um modelo que herdou influências
coloniais e se adaptou às desigualdades sociais do país <https://g1.globo.com/rio-de-janeiro/olimpiadas/rio2016/noticia/2016/07/muro-que-separa-linha-vermelha-de-favela-ganha-paineis-da-olimpiada.html>
Acesso em 03 Abr. 2025.
Hoje,
utilizamos esse modelo por uma combinação de inércia histórica, pragmatismo e
demandas políticas. A prisão é vista como uma solução imediata para retirar
criminosos das ruas, principalmente para atender à pressão pública por
segurança.
Segundo a
Organização das Nações Unidas (ONU), estudos apontam que mais de 11 milhões de pessoas
estão encarceradas globalmente. Estima-se que, hoje, aqui no Brasil, a
população encarcerada é de, aproximadamente, 850 mil pessoas, com um déficit
crescente de vagas. Adendo: A cidade de São Luís, capital do Estado do Maranhão
(dados de 2022), tem pouco mais de 1 milhão de habitantes <https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/ma/sao-luis.html>
Acesso em 03 Abr. 2025.
Isso reflete
a dependência desse sistema, apesar de suas falhas evidentes, quais sejam: altas
taxas de reincidência, violência interna e custos elevados para os Estados <
https://www.metropoles.com/brasil/presos-federais-custam-em-media-15-vezes-mais-que-estaduais-entenda>
Acesso em 03 Abr. 2025.
Críticas ao modelo atual não faltam! Especialistas argumentam que ele
perpetua ciclos de exclusão, especialmente entre populações vulneráveis, e
questionam sua eficácia na redução do crime <https://www.migalhas.com.br/depeso/422589/a-necessidade-da-ressocializacao-dos-detentos>
Acesso em 03 Abr. 2025.
Assim, o
modelo de prisões que temos em 2025 é o resultado de séculos de experimentação,
adaptação e, em muitos casos, fracasso em alcançar os ideais originais de
reabilitação. Ele persiste porque oferece uma resposta visível ao crime, mas
sua evolução – ou estagnação – levanta uma questão urgente: até quando continuaremos apostando em um
sistema que, para muitos, pune mais do que transforma?
*Roberto Daniel de Figueirêdo atua na
Segurança Pública, com experiência de 22 anos. É professor e instrutor na área
de Segurança Pública, colaborou para elaboração do Plano de Segurança para
Unidades de Internação e Execução de Medidas Socioeducativas no Estado da
Paraíba, é autor de artigos científicos publicados em revista online e livro de
gestão pública, com foco na área de ética e moral e investigação preliminar em corregedoria
do sistema prisional. É Bacharel em Arquivologia, Especialista em Gestão da Administração Pública, em Gestão de
Sistemas Prisionais e possuí MBA em Gestão Pública.
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