“Contribuir com esse campo literário, portanto, é também uma forma de serviço público, de valorização da nossa categoria e de construção de uma memória institucional sólida, crítica e respeitosa com a trajetória de todos que fazem e fizeram parte desse sistema”
Rogério Borges Ferraz Gominho
Qual foi a impressão nos primeiros dias ou meses no sistema prisional paraibano e por onde começou, qual unidade?
Minha entrada no sistema prisional paraibano ocorreu através do concurso de 2008. Nos primeiros dias e meses, atuei na Subgerência de Recursos Humanos por um período de dois anos. Nesse setor, pude compreender a estrutura organizacional e administrativa do sistema. Durante esse período, também integrei Comissões de Sindicância e Inquérito Administrativo, o que me proporcionou uma visão mais aprofundada dos processos disciplinares e das responsabilidades funcionais no serviço público.
Posteriormente, fui trabalhar no Instituto de Psiquiatria Forense, onde atuei inicialmente como agente plantonista e, mais tarde, como coordenador de plantão. Essa experiência foi particularmente marcante, pois me permitiu conhecer de perto a realidade de pessoas com transtornos mentais que entraram em conflito com a lei. Trabalhar nessa unidade me trouxe uma compreensão mais sensível e técnica sobre os desafios que envolvem a interseção entre saúde mental e sistema penal.
Em meados de 2012, fui transferido para a Penitenciária de Recuperação Feminina Maria Júlia Maranhão, onde permaneci por um período inferior a um ano, também atuando como agente plantonista. Nessa unidade, percebi com clareza como a realidade do encarceramento feminino apresenta desafios específicos e muitas vezes invisibilizados, ligados às questões de gênero. As demandas sociais, emocionais e estruturais enfrentadas pelas mulheres privadas de liberdade exigem abordagens diferenciadas e sensíveis à sua condição.
Nesses anos iniciais ficou evidente que o sistema prisional paraibano passava por um processo de transformação. Observavam-se melhorias significativas em termos de equipamentos, padronização de procedimentos e nas condições gerais de trabalho. Esse período também foi marcado por uma fase intensa de aprendizado. Como servidor oriundo do concurso de 2008, convivemos com colegas mais experientes — os chamados “antigões” — e também com novos servidores que ingressaram conosco no sistema e que, em muitos casos, já traziam bagagem na área da segurança pública, inclusive prisional. Essa convivência e troca de experiências foram fundamentais para nosso crescimento e adaptação dentro do sistema.
Passados os anos iniciais da minha atuação no sistema prisional paraibano, minha trajetória profissional se consolidou principalmente com as funções e cargos que ocupei. Com destaque para as seguintes experiências:
1. Subgerência de Recursos Humanos (2009–2011):
o Atuação nos dois primeiros anos no sistema prisional, após aprovação no concurso de 2008.
o Experiência voltada à auxiliar estrutura administrativa daquela subgerência.
o Participação ativa como membro de Comissões de Sindicância e Inquérito Administrativo.
2. Instituto de Psiquiatria Forense (2011–2012):
o Iniciei como agente plantonista e posteriormente fui coordenador de plantão.
o Aprendi profundamente sobre a realidade de pessoas com transtornos mentais em conflito com a lei.
3. Penitenciária de Recuperação Feminina Maria Júlia Maranhão (2012 – 2013) inferior a 1 ano:
o Atuei como agente plantonista.
o Essa experiência ampliou minha compreensão sobre a realidade do encarceramento feminino, com seus desafios próprios e marcadamente distintos da população carcerária masculina.
4. Direção do Instituto de Psiquiatria Forense (2013 – atual):
o Após a substituição completa da gestão anterior, a médica psiquiatra Dra. Andreia Lígia assumiu como diretora titular e eu fui convidada a assumir como diretor adjunto, compondo a nova equipe.
o Foco inicial em melhorar a estrutura e condições de trabalho dos servidores. Entre as principais ações:
Criação de alojamentos para servidores plantonistas (masculino e posteriormente feminino).
Ampliação e reforma do refeitório dos servidores.
Organização de prontuários e registros de internos, desde sua inauguração).
Implantação de uma horta terapêutica ainda em funcionamento.
Parcerias com a iniciativa privada para reformas e melhorias no ambiente da unidade.
Fortalecimento da segurança física da unidade, antes bastante vulnerável.
Integração com o setor psicossocial para celebração de datas festivas (Carnaval, Páscoa, São João, Natal).
Parcerias institucionais que enriqueceram a rotina dos internos com atividades de cunho educativo, terapêutico e ocupacional.
o Em abril de 2013, com o afastamento da diretora titular por questões de saúde, assumi interinamente a direção.
o Em agosto de 2013, fui nomeado diretor titular da unidade, cargo que exerço até a presente data (2025).
Resumo da trajetória:
Ao longo desses anos, desempenhei funções administrativas, operacionais e de gestão em unidades distintas, acumulando vivência tanto no atendimento direto a internos quanto na liderança de equipes e processos institucionais. A experiência no Instituto de Psiquiatria Forense, onde estou desde 2011 e dirijo desde 2013, tem sido especialmente marcante. Trata-se de uma trajetória repleta de aprendizado, superação de desafios e compromisso com a melhoria contínua das condições de trabalho, da segurança institucional e da dignidade no cumprimento da pena.
Qual leitura você faz hoje do sistema prisional paraibano em comparação ao primeiro ano e quais lições/aprendizado você destacaria na sua trajetória profissional?
Ao olhar para o Sistema Prisional Paraibano hoje, em comparação com o meu primeiro ano de atuação, percebo uma evolução significativa e marcante. Vivemos um processo de aperfeiçoamento institucional, com avanços que seriam impensáveis no início da minha trajetória.
Nos primeiros anos, enfrentávamos sérias limitações estruturais, operacionais e organizacionais. Hoje, vejo um sistema que amadureceu, se organizou melhor e que se preocupa em buscar soluções que atendam as necessidades da categoria, modernizando os seus processos. Entre as mudanças mais relevantes, destaco:
• A criação de grupos especializados, como o GPOE, FTPEN, GECH, COPEN, que trouxeram mais segurança, profissionalismo e agilidade às operações.
• Destaco a criação da Coordenação de Operações Penitenciárias (COPEN), que aprimorou a comunicação entre unidades e fortaleceu a coordenação das ações em nível estadual.
• O amadurecimento e evolução Gerência de Inteligência e Segurança Orgânica Penitenciária (GISOP), que hoje atua de forma estratégica e é reconhecida e respeitada pelas entidades coirmãs em nível estadual e nacional.
• A implementação de sistemas eletrônicos de gestão, como o Infopen, que otimizou o controle e a produção de dados essenciais para as rotinas e tomada de decisões.
• O acautelamento individual e coletivo de armamentos e coletes balísticos, promovendo maior proteção aos policiais penais.
• A disponibilização de viaturas próprias para missões externas, algo que, nos anos iniciais, sequer era cogitado como possibilidade.
Essas conquistas refletem o esforço coletivo dos policiais penais da Paraíba, que ao longo dos anos vêm construindo uma identidade profissional cada vez mais forte, reconhecida e respeitada. A atividade policial penal, hoje, é mais estruturada, técnica e preparada para os desafios contemporâneos da segurança pública e do sistema prisional.
As lições e aprendizados que carrego dessa trajetória são muitas. Aprendi que as mudanças exigem persistência, diálogo e compromisso com o interesse público. Compreendi a importância da liderança participativa, da valorização das equipes e da busca constante por soluções criativas mesmo diante de cenários adversos.
Tenho orgulho de fazer parte dessa caminhada, contribuindo com dedicação e responsabilidade para a construção de um sistema mais justo, seguro e eficiente — não apenas para os servidores, mas para toda a sociedade paraibana.
Nos fale um pouco sobre essa missão que depende muito de uma equipe articulada, qualificada e compromissada.
Como já foi dito, atualmente, exerço a função de diretor do Instituto de Psiquiatria Forense da Paraíba, e posso afirmar com convicção que dirigir uma unidade prisional é uma missão desafiadora, que exige dedicação, responsabilidade e, acima de tudo, um profundo compromisso com a função pública e com as pessoas envolvidas no processo — servidores e internos.
Essa não é uma tarefa que se realiza de forma solitária. A gestão de uma unidade prisional só é possível com o trabalho de uma equipe articulada, qualificada e compromissada. A atuação de cada servidor, especialmente daqueles que estão na linha de frente — na chamada "ponta da lança" —, precisa ser valorizada e respaldada. São esses profissionais que vivenciam diariamente as complexidades do ambiente prisional e, por isso, merecem atenção especial e o suporte constante da gestão.
Manter a motivação diária para buscar melhorias no ambiente de trabalho e nas relações humanas é um dos grandes desafios dessa função. Trata-se de um exercício contínuo de escuta, sensibilidade e ação. Isso envolve tanto o cuidado com a estrutura física e organizacional da unidade quanto a valorização das pessoas: o diálogo com os companheiros de trabalho, o acolhimento das famílias dos internos e a escuta da própria massa carcerária são fundamentais para uma gestão humanizada e eficiente.
Acredito firmemente que uma equipe entrosada, que confia uns nos outros, é mais eficiente, segura e preparada para lidar com as adversidades. Quando há confiança mútua e clareza nos objetivos, o ambiente de trabalho se torna mais saudável e produtivo. Nesse sentido, trabalhar com legalidade, com respeito às normas e sempre em defesa da integridade física e emocional de todos os envolvidos, deve ser um princípio norteador da atividade penitenciária.
Compreendo que uma gestão eficiente se constrói com a colaboração de todos, ouvindo, respeitando e valorizando cada integrante da equipe. Somente assim é possível avançar e promover um sistema prisional mais justo, seguro e digno para todos.
Para você, o que representa ser policial penal, integrar a mais jovem Força de Segurança Pública da Paraíba?
Ser policial penal, especialmente fazendo parte da mais jovem Força de Segurança Pública da Paraíba, representa, para mim, a quebra de estereótipos e a afirmação de uma identidade profissional em constante construção e fortalecimento. É exercer uma função essencial à sociedade, muitas vezes invisibilizada, mas de altíssimo impacto na manutenção da ordem, da segurança e da justiça social.
Integrar essa força emergente é, ao mesmo tempo, um orgulho e uma grande responsabilidade. O policial penal moderno precisa ser um profissional completo, com um conhecimento técnico quase generalista. Deve dominar a legislação vigente, compreender os princípios do direito penal, processual e da execução penal, ter conhecimento operacional de segurança, e, sobretudo, desenvolver pensamento crítico e analítico, pois muitas vezes está diante de situações que podem evoluir para o caos em poucos segundos, exigindo respostas rápidas, inteligentes e dentro da legalidade.
Ser policial penal também é atuar para além da vigilância e da contenção. É trabalhar com a perspectiva da ressocialização, criando e mantendo condições que permitam que o indivíduo privado de liberdade possa cumprir sua pena de forma digna, com a possibilidade real de retornar ao convívio social como cidadão. Essa é uma das nossas missões mais nobres: cumprir e fazer cumprir as regras legais e sociais, não apenas com autoridade, mas também com humanidade e responsabilidade.
Portanto, ser policial penal é ser agente de segurança, de transformação social e de esperança. É carregar a missão de equilibrar disciplina com empatia, firmeza com justiça, e legalidade com sensibilidade. E é justamente esse equilíbrio que tem moldado a identidade da Polícia Penal da Paraíba — uma força jovem, sim, mas cada vez mais madura, respeitada e essencial para a segurança pública do nosso Estado.
Quais os desafios seus enquanto agente essencial nesse processo de formação da Polícia Penal e por consequência na evolução do sistema prisional do estado?
Os desafios que enfrento enquanto agente essencial nesse processo de formação da Polícia Penal e, por consequência, na evolução do sistema prisional da Paraíba, são muitos — e complexos. Mas acredito que o maior deles é não desmotivar, mesmo diante das dificuldades diárias, das limitações estruturais, da burocracia e da lentidão de alguns avanços.
Manter-se motivado, acreditando que o trabalho que fazemos hoje está ajudando a pavimentar o caminho para aqueles que virão depois de nós, é uma missão diária. É encontrar sentido no esforço coletivo, sabendo que, mesmo que não colhamos todos os frutos agora, estamos semeando um futuro mais estruturado, profissional e digno para a Polícia Penal e para o sistema prisional como um todo.
Como se diz, “se não podes mudar tudo, procure pelo menos deixar as coisas melhores”. Esse tem sido um lema que carrego comigo. Não se trata apenas de grandes reformas ou projetos inovadores, mas de atitudes diárias, de posturas éticas, de pequenas melhorias no ambiente de trabalho, nas relações humanas, na organização interna, no respeito à legalidade e à dignidade de todos os envolvidos no sistema.
Nesse processo, o desafio é também ajudar a consolidar uma identidade profissional forte para a Polícia Penal, que ainda está em formação. Isso exige preparo, paciência e, sobretudo, responsabilidade com o legado que estamos construindo. Precisamos ser exemplos de conduta, compromisso e liderança, pois é essa postura que inspira os mais novos e fortalece o respeito à nossa função perante a sociedade.
Ser parte dessa história é motivo de orgulho. E mesmo diante dos desafios, sigo com a convicção de que cada passo dado com seriedade e propósito é uma contribuição concreta para a evolução de um sistema mais justo, eficiente e humano.
Opine sobre essa produção literária dos últimos anos específica sobre o sistema prisional, a Polícia Penal. Você considera relevante contribuir, ser personagem, autor de artigos, de livros neste campo, escrevendo as primeiras páginas da história quase centenária da Seap-PB?
Sou um entusiasta das produções literárias. Especialmente aquelas que têm se voltado, nos últimos anos, para o sistema prisional e a construção da identidade da Polícia Penal. Essas obras registram nossas memórias, nossas histórias e, também, nossos desejos enquanto profissionais e enquanto instituição. Trata-se de uma forma de eternizar experiências, desafios e aprendizados que, muitas vezes, ficam restritos aos muros das unidades prisionais.
Considero extremamente relevante contribuir com esse processo, seja como personagem, autor de artigos, colaborador ou mesmo trazer reflexões. Cada pessoa vive, percebe e interpreta a realidade sob uma ótica própria — e é nesse compartilhamento de visões que se constrói o conhecimento coletivo. Quando escrevemos ou participamos de uma produção literária, estamos ajudando a formar um legado, a dar forma à identidade da Polícia Penal e a escrever, literalmente, as primeiras páginas dessa nova fase da história quase centenária da SEAP-PB.
Se, de alguma maneira, o que eu vivi ou relatei puder ajudar outras pessoas, orientar decisões ou inspirar novas práticas, então considero que parte da nossa missão está sendo cumprida. Porque nossa atuação não se encerra no turno de trabalho — ela continua na forma como marcamos positivamente as pessoas e as instituições ao nosso redor.
Contribuir com esse campo literário, portanto, é também uma forma de serviço público, de valorização da nossa categoria e de construção de uma memória institucional sólida, crítica e respeitosa com a trajetória de todos que fazem e fizeram parte desse sistema.
Já escreveu ou pretende escrever livro autoral ou com colegas parceiros sobre temáticas relacionadas ao sistema prisional?
Ainda não pensei nessa possibilidade, mas podemos amadurecer esse pensamento.
PERFIL
Nome completo: Rogério Borges Ferraz Gominho
Local e data de nascimento: Manaus / AM, em 14/07/1978
Formação:
• Graduado em Administração
• Pós- Graduação em Gestão da Qualidade e Produtividade
• Graduado em Direito
• Pós- Graduação em Direito Material e Processual do Trabalho
Ingresso no Sistema Penitenciário da Paraíba: 17/01/2009

Bom dia! Comentários muito interessantes. Registrar a história da Polícia Penal, tendo o relato daqueles que vivenciam tal ofício de longa data, permite que vejamos o quanto a categoria se consolidou dentro do cenário da Segurança Pública e a extensão de suas atribuições e feitos. Que possam vir novos avanços e que cada policial penal seja cada vez mais valorizado.
ResponderExcluirObrigado Maria Edilma pelo comentário sobre a entrevista do colega Rogério. Sou o editor do blog e fico feliz por sua participação aqui.
ExcluirMuito bom, Rogério!
ResponderExcluirInteressante ver os caminhos que você percorreu dentro do sistema e os pontos que destacou sobre a evolução da Polícia Penal…
Obrigado Netto por interagir com o blog.
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