quinta-feira, 24 de julho de 2025

Revista CNJ: circuito espacial penal surge como proposta de avaliação do sistema penal brasileiro


O conceito de circuito espacial penal surge como uma proposta metodológica inovadora para analisar o sistema penal brasileiro a partir da articulação entre espaço geográfico, normas, instituições e agentes. Desenvolvido com base na teoria geográfica de Milton Santos, o circuito compreende a circulação dos processos penais — desde o inquérito até a execução — como uma dinâmica condicionada por elementos materiais e imateriais do território, revelando como o acesso à Justiça e às garantias legais está profundamente relacionado à distribuição das infraestruturas e à organização espacial do sistema penal. 


A proposta foi elaborada em uma pesquisa de doutorado defendida na Universidade de São Paulo (USP) em 2024 por Carin Carrer Gomes e sistematizada no artigo O uso das informações do CNJ e o circuito espacial penal, também de autoria da pesquisadora, e publicado na edição especial da Revista CNJ intitulada “CNJ 20 anos: impactos das políticas do CNJ no Poder Judiciário e na sociedade”.  


O trabalho demonstra como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem desempenhado papel fundamental na produção e organização de informações que permitem o mapeamento e o monitoramento dessa dinâmica. Através de ferramentas como o Banco Nacional de Medidas Penais e Prisões (BNMP) e o Sistema Eletrônico de Execução Unificado (Seeu), além de resoluções, recomendações e bases de dados digitalizadas, o CNJ tornou-se um agente importante na articulação de políticas e registros que subsidiam a análise do circuito penal em todo o território nacional. 


Com base nesses dados, a pesquisa propõe uma leitura do sistema penal a partir de suas relações espaciais, evidenciando que a realização das garantias processuais — como a presunção de inocência, o direito ao devido processo legal e a liberdade — dependem de fatores como a existência de varas especializadas, a densidade técnica das regiões e a acessibilidade aos serviços judiciais. O estudo utilizou metodologia geográfica qualitativa e quantitativa, com ênfase na produção cartográfica e na análise das durações e escalas envolvidas na tramitação dos processos penais. 


A fundamentação teórica dialoga com autores da criminologia crítica, como Vera Malaguti Batista e Nilo Batista, incorporando elementos da sociologia do encarceramento em massa e seletivo. O artigo destaca ainda a importância da interdisciplinaridade entre direito, geografia e criminologia para compreender como determinados territórios e populações são mais vulneráveis à seletividade do sistema penal. 


O papel do CNJ no circuito espacial penal 


A análise também contempla políticas do CNJ voltadas à preservação de direitos, como as audiências de custódia, implementadas por meio da Resolução nº 213/2015. Essas audiências, que devem ocorrer em até 24 horas após a prisão em flagrante, têm como objetivo verificar a legalidade da prisão e prevenir abusos. 


Contudo, o estudo mostra que a efetividade dessas garantias varia de acordo com a infraestrutura disponível em cada estado e a articulação entre os diferentes níveis de jurisdição, citando, por exemplo, o caso do Acre, “onde a escassez de IML e a distância entre esses órgãos e as varas judiciais constituem obstáculos à adequada realização das audiências”.  


Outro ponto abordado é a atuação do CNJ durante a pandemia de COVID-19, especialmente com a Recomendação nº 62/2020, que sugeriu medidas para prevenir o contágio em unidades prisionais. Embora cerca de 35 mil pessoas tenham sido beneficiadas com medidas alternativas à prisão, o artigo aponta que a aplicação da recomendação foi limitada e desigual entre os estados. 


A pesquisa conclui que, para que o circuito espacial penal se efetive como instrumento de garantia de direitos, é necessário enfrentar os hiatos territoriais que dificultam o acesso à Justiça, como a ausência de varas de execução penal em áreas com altos índices de aprisionamento e a precariedade de infraestrutura para atendimento jurídico nos estabelecimentos penais. O artigo propõe que o CNJ amplie o diálogo com os órgãos responsáveis pela execução penal, de forma a promover maior coincidência entre a localização das prisões e a presença de instituições que assegurem o cumprimento das garantias legais. 


Texto: Jéssica Vasconcelos

Edição: Beatriz Borges

Revisão: Cauã Sâmor

Agência CNJ de Notícias 


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